terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A comunicação compartilhada dos Movimentos Sociais: mais um passo

Boaventura de Souza Santos, publicou um texto provocante sobre os desafios que o Wikileaks trouxe para os movimentos sociais em busca de outra globalização. Ele vai fundo e questiona a própria transparência que se faz crer existir através da publicação de documentos antes escondidos (sociologia das ausências) e o fato de que a existência de um documento revelando opiniões/intenções obscuras, não significa a existência um fato.

Diante destas ponderações, ele aponta um desafio para os movimentos sociais: processar as informações e convertê-las em "novas razões e motivações para mobilização":
Será necessário establecer uma articulação orgânica entre o fenómeno Wikileaks e os movimentos e partidos de esquerda até agora pouco inclinados a explorar as novas possibilidades criadas pela RTI.
A publicação de informações à torto e à direito não significa por si só um avanço na democracia e muito menos na democratização da informação. O que pode ser comprovado com o caso dos telegramas publicados pelo Wikileaks sobre o MST. O caso também mostra que os movimentos sociais precisam assumir uma postura mais ativa diante das "mudernidades" da internet, não podem ser reféns das acusações espalhadas na rede.

Embora os movimentos sociais em geral estejam visivelmente atrasados quanto às "revoluções das novas tecnologias da informação", existe em andamento um esforço para se pensar a comunicação na web de forma estratégica e comunitária.

Apesar de o número de organizações sociais que possuem sites e perfis em redes sociais seja grande, a utilização destas ferramentas ainda tem se dado de forma pouco pragmática. Mas é justamente um esforço para reverter esta situação que se percebeu no "Encontro Internacional Construyendo una Agenda Democrática en Comunicación", realizado de 13 - 15 de dezembro de 2010, em Quito.

No documento publicado ao final do encontro nos deparamos com um esforço de colaboração na utilização da internet como forma de difundir contra-informações, contribuindo para a democratização da comunicação.

Além de uma agenda temática comum e ampla para 2011, de apontamentos quanto a necessidade de fortalecer laços com os setores acadêmicos, de angariar recursos e da capacitação de comunicadores, o texto ainda faz apontamentos sobre uma metodologia de ação coletiva na internet. Existe um reconhecimento por parte dos meios alternativos de tomar parte da linguagem digital, de utilizar ferramentas como as etiquetas (palavras-chave), o RSS e os links. Além disto, vêem no Twitter uma ferramenta estratégica. 

Sem dúvida estamos na direção correta. Agora, os movimentos e meios presentes no encontro, precisam aprender a com as ferramentas da web a desburocratizar a comunicação e possibilitar/incentivar a colaboração dos que não estavam presentes no encontro.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O que os blogs falaram sobre o Plebiscito pelo Limite da Terra?

Como prometido no meu último post, em que revelei detalhes do meu estudo, dedicarei este texto aos blogueiros que postaram sobre a Campanha pelo Limite da Terra.

Os blogs analisados são de pessoas independentes ou organizações bem menores que as linkadas como entidades parceiras do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo. Mas como bem explica a teoria da calda longa, ainda que tenham menos acesso do que pode ter tido o site oficial da campanha, por exemplo, juntos, estes blogs fazem a diferença.

Fazendo uma busca no google através das expressão "Plebiscito pelo Limite da Terra" e utilizando o filtro blogs, temos alguns exemplos interessantes. (Estão todos agregados no meu delicious).

Alguns blogs foram criados apenas para a Campanha nos estados o onde a mobilização estava acontecendo. Estes, trazem posts mais direcionados ao plebiscito localmente. O Limite da Terra do Paraná, por exemplo, postou instruções de como os comitês de votação poderiam realizar o envio do resultado da consulta à Secretaria Estadual do Plebiscito. Já o blog do plebiscito no Distrito Federal, apresenta um "tutorial", com fotos, ensinando a confeccionar uma urna.

Os blogs que existiam antes mesmo do plebiscito, parecem abordar o assunto através de seus contextos específicos. Um exemplo que chamou minha atenção, foi o post "Duas questões para pensar: o Plebiscito pelo Limite da Terra e as eleições presidenciais", do blog dos servidores do INCRA. Nele,  os dois assuntos são discutidos com foco na reforma agrária. O autor, membro da associação dos servidores, chega inclusive chamar atenção para o fato de que a consulta não faz menção explicita à reforma agrária. Ele vai mais longe e critica os candidatos à eleição de 2010:
Já nos debates eleitorais, os três principais candidatos a Presidente da República pouco tratam de reforma agrária e quando o fazem não relacionam com o limite da propriedade da terra. Quando questionados, a reforma agrária surge como sinônimo de uma política de instalação de assentamentos. Assim, o número de famílias assentadas é o indicador de realização da reforma agrária. O debate fica restrito, quando muito, à qualidade dos assentamentos e à legalidade da atuação dos movimentos sociais.
Outro caso interessante, é o Jornalismo lado B que aborda o silêncio da mídia em relação à consulta popular.

Mas discussão mesmo, por meio de comentários polêmicos, encontrei no E esse tal meio ambiente? Neste texto o autor traz um vídeo sobre o plebiscito para dar mais elementos para o debate acalorado-o ainda mais (vejam um pedaço das argumentações ao lado).

Apesar de eu não ter ido mais longe para comparar a repercussão de sites maiores em relação aos blogs, a participação é algo interessante e mais visível (a princípio)  nos blogs independentes. Este blog, por exemplo, reproduziu um texto do Frei Betto e ganhou comentários, 5 reações no twitter e 7 "curtiu" no Facebook. Não consegui comparar com outros sites, pois nos mesmos, apesar de existir possibilidade de compartilhamento de conteúdo, as  reações não estavam aparentes. 

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Enfim, o objeto de estudo - A rede pelo limite da terra!

Não mudei de tema da monografia e nem abandonei meu blog. O longo tempo sem um post se deve aos muitos trabalhos em desenvolvimento. Não fiquem com dó de mim, são todos prazerosos. Além das 20h de estágio, da produção de um vídeo documentário e uma reportagem multimídia sobre habitação, ainda tem a monografia. Ainda bem que só formo ano que vem, uffa!

Hoje tenho novidades (?) menos teóricas. Apresento-lhes meu objeto de estudo (eu sei que o termo é bem cafona, mas o estudo não!): a Campanha pelo Limite da Terra 2010. Até agora vocês só sabiam que meus interesses eram acerca da participação dos movimentos sociais na internet - eu também!. Mas as pesquisas acadêmicas científicas têm (?) que ser beemmm específicas. Então, vamos afunilando as idéias.

A Campanha pelo Limite da Terra é uma mobilização realizada por movimentos e organizações sociais que existe desde 2000. Neste ano concentrou suas energias no Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade de Terra, renovou o site e entrou no twitter. Resumidamente, a idéia é reconstituir a rede virtual que ser formou para a divulgação e debate sobre os temas da campanha e analisar como as organizações, movimentos e usuários independente utilizaram a internet (e a web 2.0) para este fim.

No próximo post vou comentar os primeiros resultados desta pesquisa: a blogosfera discute?

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Da comunicação e participação (no movimento Zapatista) à formação das redes.

 “... Chiapas renovou a perspectiva de uma transformação geral da nação e, depois, do mundo. Forneceu um tema forte, atraente, lúdico, novo e sempre em  renovação,  com  um  repertório  performático  maleável que facilmente podia ser apropriado, ressignificado, e permitia a realização de práticas de solidariedade que não implicavam necessariamente compromissos programáticos mais sérios, de maneira que os grupos mais variados podiam se ligar a este fenômeno e, quando possível, entre si aproveitando os contatos, espaços e símbolos propiciados por ele.” (Guilherme Gitahy de Figueiredo, 2007, p.25 - Vamos ao Baile: gingas da comunicação e da participação no Zapatismo).

Guilherme Gitahy de Figueiredo, em: “Vamos ao Baile: gingas da comunicação e da participação no Zapatismo” (leia aqui, 38 pgs.), utiliza o conceito de performace para explicar como o movimento usou a comunicação para tornar a sociedade civil mediadora da paz e do diálogo. Para o autor, foi um longo caminho até a transformação da estratégia de uma guerrilha clássica para um processo de comunicação horizontal e de participação política. O lúdico e a comunicação horizontal são características tão peculiares ao movimento indígena, que existe até um texto, de Neblina Orrico comparando as estratégias de comunicação dos Zapatistas com o MST.

Desde então o movimento criou estratégias de comunicação, para dialogar com a sociedade civil, com a imprensa e com os integrantes do movimento.  Através de textos lúdicos (conto, piada, poesia, crônica...), do tratamento personalizado à imprensa (veja o caso do La Jornada -artigo: 16pgs, considerado o único veículo de massa mexicano a dar espaço para as lutas sociais), da comunicação face-a-face (realização de plebiscitos e de marchas), e da internet. O lúdico e a comunicação horizontal são características tão peculiares ao movimento indígena, que existe até um texto, de Neblina Orrico comparando as estratégias de comunicação dos Zapatistas com o MST. Aqui vamos nos concentrar na internet, foco dos meus estudos.

A internet e os computadores são movidos em prol dos Zapatistas por meio das redes de solidariedade no México e ao redor do mundo, como explica a jornalista Gloria Muñoz Ramírez, que acompanha o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN)desde seu levante em 1994, no estado de Chiapas:

A ideia do uso da internet pelos zapatistas nasceu como um mito que, em muitos sentidos, persiste ainda hoje. Em 1994, a internet ainda era algo muito incipiente e os primeiros comunicados do EZLN eram xerox distribuídos a nós jornalistas na cidade de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas. Com o tempo, um exército de mulheres e homens anônimos se incumbiu de difundir as palavras zapatistas pela internet. Na selva em que vivem os zapatistas, não havia sequer luz, que dirá um computador. Assim, o mérito da difusão da palavra zapatista no ciberespaço não é propriamente zapatista, mas de todos que acreditaram nesse movimento e fizeram circular seus comunicados e pronunciamentos. Atualmente, algumas comunidades em resistência têm acesso à internet, mas isso é algo relativamente novo e não pode ser generalizado. (leia a entrevista completa com Gloria Muñoz Ramírez)

Glória atualmente é editora da Revista Desinformémonos, que conta com a colaboração de militantes de várias partes do mundo e tem um formato bastante inovador para abordar as questões sociais. Utiliza conteúdos multimídia para tratar os assuntos e está antenado na dinâmica virtual (creative commons, núvens de tags, RSS e uma navegação bem dinâmica).  

As redes de solidariedade (pessoas, ONGs, movimentos sociais...) que contribuem com os Zapatistas, direta ou indiretamente, são fruto da proposta de comunicação e diálogo a que o movimento se dispôs a conduzir. Porém, este processo é mais difícil e conflituoso do que aparenta ser.  Guilherme Gitahy de Figueiredo, em um artigo no Centro de Mídia Independente, abordou a dificuldade de interação entre os heterogêos grupos (organizações, movimentos e partidos políticos) no Encontro Intergalático Zapatista, ocorrido em Belém do Pará em 1999.

Outro trabalho, "Zapatismo e Ciberativismo: a busca de uma conexão perdida” (artigo 15 pgs), de Francisco Pimenta e Ana Paula Rivello, “aponta para a perda de conexão entre o Zapatismo e o aproveitamento das possibilidades abertas pela rede digital de computadores e pela linguagem hipermídia”, abordando as dificuldades dar continuidade ao fortalecimentos de laços virtuais dos Zapatistas.

domingo, 8 de agosto de 2010

Descolonizar a mente e o discurso.

Há algo além daquela velha frase de que são os vencedores quem escrevem a história.  Comecei a pensar neste fato quando entrei em contato com os estudos de transdisciplinaridade que questionam a supremacia da ciência sobre outras áreas do conhecimento. 

Nós, que trabalhamos com os movimentos sociais, que acreditamos na transformação para um mundo mais justo, teorizamos inspirados no mito da modernidade eurocêntrica. Como reivindicamos uma descolonização, se nossas mentes permanecem colonizadas? 

A idéia que temos de nós mesmos, latino americanos, foi construída de acordo com os preceitos ocidentais cristãos, como mostra Walter D. Mignolo em um dos livros mais fascinantes que já li: La Idea de América Latina (resenha 3 pgs). Se não sabemos quem somos, como saberemos o que queremos ser? 

Ilse Scherer-Warren no artigo “Movimentos sociais na América Latina: revisitando as teorias” (pdf 15 pgs)  mostra que “As  "grandes narrativas” sobre os  movimentos  sociais  na  América  Latina, baseadas nas teorias de classe, da tradição marxistas e nos princípios discursivos da modernidade,  enfatizavam  as  tendências  universalizantes  para  os  comportamentos coletivos.” Assim, descolam-se da realidade latino americana, a ponto de não responderem as necessidades dos nossos movimentos sociais.

Ainda no mesmo trabalho, a autora apresenta a contribuição dos estudos pós-coloniais para os atuais movimentos sociais da América Latina, na “releitura ... das trajetórias de classes, de grupos, de  comunidades  e  de  culturas historicamente  subalternas  em  nosso  continente.” É neste ponto que entram as redes de movimentos sociais. Para Ilse, as redes de movimentos tem um papel na “re-significação dos processos de colonização na América Latina” e na “criação de significados em-comum para a superação dos  legados  históricos opressores.” 

A autora cita como exemplos o Movimento Neo-zapatista (artigo de Sarah G. Abdel-Moneim, 26 pgs) e a “Carta de Aliança de Parentesco entre Índias e Negras”, escrita na 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada  em  2004,  em  Brasília.  

A despeito das confirmações que o Movimento Zapatista nos traz, lanço as seguintes questões: a internet pode contribuir para a criação e exposição do discurso do colonizado? As narrativas dos movimentos sociais brasileiros presentes na web caminham para a criação destes “novos significados para a superação dos legados históricos opressores”?