quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Da comunicação e participação (no movimento Zapatista) à formação das redes.

 “... Chiapas renovou a perspectiva de uma transformação geral da nação e, depois, do mundo. Forneceu um tema forte, atraente, lúdico, novo e sempre em  renovação,  com  um  repertório  performático  maleável que facilmente podia ser apropriado, ressignificado, e permitia a realização de práticas de solidariedade que não implicavam necessariamente compromissos programáticos mais sérios, de maneira que os grupos mais variados podiam se ligar a este fenômeno e, quando possível, entre si aproveitando os contatos, espaços e símbolos propiciados por ele.” (Guilherme Gitahy de Figueiredo, 2007, p.25 - Vamos ao Baile: gingas da comunicação e da participação no Zapatismo).

Guilherme Gitahy de Figueiredo, em: “Vamos ao Baile: gingas da comunicação e da participação no Zapatismo” (leia aqui, 38 pgs.), utiliza o conceito de performace para explicar como o movimento usou a comunicação para tornar a sociedade civil mediadora da paz e do diálogo. Para o autor, foi um longo caminho até a transformação da estratégia de uma guerrilha clássica para um processo de comunicação horizontal e de participação política. O lúdico e a comunicação horizontal são características tão peculiares ao movimento indígena, que existe até um texto, de Neblina Orrico comparando as estratégias de comunicação dos Zapatistas com o MST.

Desde então o movimento criou estratégias de comunicação, para dialogar com a sociedade civil, com a imprensa e com os integrantes do movimento.  Através de textos lúdicos (conto, piada, poesia, crônica...), do tratamento personalizado à imprensa (veja o caso do La Jornada -artigo: 16pgs, considerado o único veículo de massa mexicano a dar espaço para as lutas sociais), da comunicação face-a-face (realização de plebiscitos e de marchas), e da internet. O lúdico e a comunicação horizontal são características tão peculiares ao movimento indígena, que existe até um texto, de Neblina Orrico comparando as estratégias de comunicação dos Zapatistas com o MST. Aqui vamos nos concentrar na internet, foco dos meus estudos.

A internet e os computadores são movidos em prol dos Zapatistas por meio das redes de solidariedade no México e ao redor do mundo, como explica a jornalista Gloria Muñoz Ramírez, que acompanha o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN)desde seu levante em 1994, no estado de Chiapas:

A ideia do uso da internet pelos zapatistas nasceu como um mito que, em muitos sentidos, persiste ainda hoje. Em 1994, a internet ainda era algo muito incipiente e os primeiros comunicados do EZLN eram xerox distribuídos a nós jornalistas na cidade de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas. Com o tempo, um exército de mulheres e homens anônimos se incumbiu de difundir as palavras zapatistas pela internet. Na selva em que vivem os zapatistas, não havia sequer luz, que dirá um computador. Assim, o mérito da difusão da palavra zapatista no ciberespaço não é propriamente zapatista, mas de todos que acreditaram nesse movimento e fizeram circular seus comunicados e pronunciamentos. Atualmente, algumas comunidades em resistência têm acesso à internet, mas isso é algo relativamente novo e não pode ser generalizado. (leia a entrevista completa com Gloria Muñoz Ramírez)

Glória atualmente é editora da Revista Desinformémonos, que conta com a colaboração de militantes de várias partes do mundo e tem um formato bastante inovador para abordar as questões sociais. Utiliza conteúdos multimídia para tratar os assuntos e está antenado na dinâmica virtual (creative commons, núvens de tags, RSS e uma navegação bem dinâmica).  

As redes de solidariedade (pessoas, ONGs, movimentos sociais...) que contribuem com os Zapatistas, direta ou indiretamente, são fruto da proposta de comunicação e diálogo a que o movimento se dispôs a conduzir. Porém, este processo é mais difícil e conflituoso do que aparenta ser.  Guilherme Gitahy de Figueiredo, em um artigo no Centro de Mídia Independente, abordou a dificuldade de interação entre os heterogêos grupos (organizações, movimentos e partidos políticos) no Encontro Intergalático Zapatista, ocorrido em Belém do Pará em 1999.

Outro trabalho, "Zapatismo e Ciberativismo: a busca de uma conexão perdida” (artigo 15 pgs), de Francisco Pimenta e Ana Paula Rivello, “aponta para a perda de conexão entre o Zapatismo e o aproveitamento das possibilidades abertas pela rede digital de computadores e pela linguagem hipermídia”, abordando as dificuldades dar continuidade ao fortalecimentos de laços virtuais dos Zapatistas.

domingo, 8 de agosto de 2010

Descolonizar a mente e o discurso.

Há algo além daquela velha frase de que são os vencedores quem escrevem a história.  Comecei a pensar neste fato quando entrei em contato com os estudos de transdisciplinaridade que questionam a supremacia da ciência sobre outras áreas do conhecimento. 

Nós, que trabalhamos com os movimentos sociais, que acreditamos na transformação para um mundo mais justo, teorizamos inspirados no mito da modernidade eurocêntrica. Como reivindicamos uma descolonização, se nossas mentes permanecem colonizadas? 

A idéia que temos de nós mesmos, latino americanos, foi construída de acordo com os preceitos ocidentais cristãos, como mostra Walter D. Mignolo em um dos livros mais fascinantes que já li: La Idea de América Latina (resenha 3 pgs). Se não sabemos quem somos, como saberemos o que queremos ser? 

Ilse Scherer-Warren no artigo “Movimentos sociais na América Latina: revisitando as teorias” (pdf 15 pgs)  mostra que “As  "grandes narrativas” sobre os  movimentos  sociais  na  América  Latina, baseadas nas teorias de classe, da tradição marxistas e nos princípios discursivos da modernidade,  enfatizavam  as  tendências  universalizantes  para  os  comportamentos coletivos.” Assim, descolam-se da realidade latino americana, a ponto de não responderem as necessidades dos nossos movimentos sociais.

Ainda no mesmo trabalho, a autora apresenta a contribuição dos estudos pós-coloniais para os atuais movimentos sociais da América Latina, na “releitura ... das trajetórias de classes, de grupos, de  comunidades  e  de  culturas historicamente  subalternas  em  nosso  continente.” É neste ponto que entram as redes de movimentos sociais. Para Ilse, as redes de movimentos tem um papel na “re-significação dos processos de colonização na América Latina” e na “criação de significados em-comum para a superação dos  legados  históricos opressores.” 

A autora cita como exemplos o Movimento Neo-zapatista (artigo de Sarah G. Abdel-Moneim, 26 pgs) e a “Carta de Aliança de Parentesco entre Índias e Negras”, escrita na 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada  em  2004,  em  Brasília.  

A despeito das confirmações que o Movimento Zapatista nos traz, lanço as seguintes questões: a internet pode contribuir para a criação e exposição do discurso do colonizado? As narrativas dos movimentos sociais brasileiros presentes na web caminham para a criação destes “novos significados para a superação dos legados históricos opressores”?